Olá amigos e amigas! Este é o último post da série sobre a teoria dos esmaltes. Vou escrever hoje sobre como identificar um bom esmalte com a base teórica que tivemos até agora.

Com o conhecimento teórico, os ceramistas deixaram de confiar somente na experiência e puderam identificar possíveis falhas nos esmaltes antes mesmo de testá-las no forno. Isso ajudou muito, economizando muito tempo e dinheiro. O estudo dos esmaltes deixou de ser um trabalho empírico tornando-se uma ciência. É claro que a prática é imprescindível para o emprego de esmaltes: a correta aplicação, o controle da queima, tudo se soma para termos boas queimas no final. O domínio teórico é só uma ferramenta que contribuiu para resultados positivos.

Escrevi no último post que a fórmula da unidade molecular de Seger permitiu um conhecimento mais profundo do comportamento de um dado esmalte. Vamos ver agora quais são os parâmetros usados para caracterizar um bom esmalte. Vale salientar que esses parâmetros são usados para cerâmicas utilitárias. É possível que esmaltes que estejam fora dessas regras ainda possam ser usados em outros tipos de cerâmicas por serem interessantes esteticamente.

Regras para um bom esmalte

1 – Deve ter sílica suficiente

Sílica é a espinha dorsal de um esmalte e o principal formador de vidro. Sem sílica suficiente, não se pode fazer um bom esmalte.

2 – Deve ter alumina suficiente

Ceramistas acreditavam que para se ter um bom esmalte deveríamos ter uma quantidade mínima de alumina no esmalte. Entretanto, podemos ter até bastante alumina se a proporção de fundentes mais o boro compensar essa adição.

3 – O esmalte deve derreter-se completamente

Parece óbvio mas muitos esmaltes que aparentam serem foscos ou semi-foscos são assim porque não foram completamente derretidos. Fazer esmaltes sem o derretimento completo faz com que eles apresentem uma série de problemas nas cerâmicas funcionais. Acompanhe a queima e use sempre cones pirométricos para assegurar que suas peças atingiram a temperatura correta para a formação de seus esmaltes. Além disso, use receitas adequadas para a temperatura que o seu forno irá queimar.

4 – Use níveis moderados de pigmentos e opacificantes

Depois de um certo limite, mesmo em um ótimo esmalte esses elementos conseguem vazar da rede vítrea e contaminar a comida ou bebida que fica em contato com o esmalte. Alguns desses elementos são tóxicos e embora a quantidade que vaza é pequena, lembremos que essas peças são de uso diário, então é sempre bom ficar de olho.

Abaixo está o nível máximo recomendado por % de esmalte base

Carbonato de Cobre 4,0%
Óxido de Cobre 2,0 – 2,5%
Óxido de Cromo 3,0%
Carbonato de Cobalto 3,0%
Óxido de Cobalto 2,0%
Óxido de Ferro 10,0 – 15,0%
Dióxido de Manganês 4,0%
Óxido de Níquel 3,0%

Esmaltes que possuem uma coloração metálica quase sempre têm valores excessivos de pigmentos em sua composição e devem ser analisados atentamente.

5 – Ter boa proporção de fundentes primários e secundários

No jargão da química dos esmaltes, dizemos que os fundentes primários ou R2O são aqueles do grupo dos metais alcalinos (Li, K e Na). Os primários iniciam o processo de derretimento do esmalte.

Já os fundentes secundários, ou RO, são aqueles que mantêm o derretimento sob controle. São eles os metais alcalino-terrosos e outros elementos (Mg, Ca, Sr, Ba e Zn). Usando os números da fórmula de Seger, a relação entre esses dois tipos de fundentes é escrita como R2O:RO.

Pesquisas históricas e contemporâneas provaram que uma proporção R2O:RO de 0,3:0,7 é a ideal para uma maior durabilidade de esmaltes funcionais.

6 – Para queimas abaixo do cone 10, use boro 

Hoje em dia, popularizou-se fornos e receitas para queima no cone 6. Dentre as vantagens, temos o menor tempo de queima, economia de energia e as cerâmicas tão resistentes quanto às queimadas em temperaturas mais altas. Porém, nessas temperaturas intermediárias a sílica usada isoladamente não se funde totalmente.

O elemento boro é um formador de vidro, não tóxico e quando usado em conjunto com a sílica, oferece uma boa alternativa para as queimas do cone 6. A forma ideal de usar esse elemento no esmalte é através de fritas, pois fica insolúvel.

Abaixo está um gráfico mostrando o quanto de boro que deve ser introduzido ao esmalte em relação à sua temperatura máxima. A área em laranja e vermelho apontam para esmaltes brilhantes bem derretidos e a área em azul escuro, esmaltes com problemas de fusão.

fonte: Matt Katz. Boron in Ceramics.

7 – Ajuste o coeficiente de expansão térmica

Quando a cerâmica está no interior do forno e o esmalte está em seu estado líquido, existe uma aderência completa entre o esmalte e a argila. Quando o forno se resfria, tanto a argila quanto o esmalte encolhem. Se a contração desses elementos for diferente, dois cenários poderão acontecer:

  • se o esmalte contrair mais que a argila, ele ficará craquelado, ou gretado (lado direito da foto abaixo)
  • se a argila contrair mais que o esmalte, o esmalte soltará da argila, como pintura que descasca da parede (lado esquerdo da foto abaixo)
fonte: http://www.lakesidepottery.com/

Em cerâmicas funcionais esse efeito não é desejável. O que se deve fazer nesse caso é achar no esmalte um coeficiente de expansão térmica compatível com a argila utilizada. É, assim, um problema a ser resolvido individualmente, dependendo da argila utilizada. Porém alguns cuidados gerais são úteis:

  1. Não aplique uma camada muito grossa de esmalte
  2. Peças grandes apresentam maiores problemas em relação a interação esmalte/ argila
  3. Confira se os níveis de alumina e sílica do seu esmalte estão nos níveis aceitáveis (veja em gráfico de Stull) 

Alguns laboratórios especializados possuem aparelhos chamados dilatômetros, que calculam precisamente o coeficiente de expansão térmico da argila. Sabendo disso, o trabalho de ajuste fica bem mais fácil. Para nós, ceramistas artesanais, nos restam os testes. Quase todos os programas de cálculo de esmaltes que existem hoje em dia fornecem cálculos de coeficientes de expansão. Troque os elementos para adequar seu esmalte obedecendo o seguinte raciocínio:

Se o seu esmalte apresenta craquelamento, diminua o coeficiente de expansão térmica do esmalte.

Se ele estiver soltando, aumente o coeficiente de expansão térmica.

Segue a tabela de English e Turner de coeficiente de expansão para os principais óxidos que pode ser útil nesse processo. Vejam que o sódio e potássio possuem alto coeficiente de expansão térmica. Seu uso exagerado pode causar craquelamento. Ao contrário, elementos como o lítio e o magnésio podem ajudar a diminuir esse problema.

Óxido Coeficiente (x10-6/ºC)
BaO 14,0
CaO 16,3
MnO2 5,7
Li2O 7,45
MgO 4,5
K2O 39,0
Na2O 41,6
ZnO 7,0
Fe2O3 10,4
TiO2 10,6
B2O3 -6,53
Al2O3 1,4
SiO2 0,5
PbO 10,6
P2O5 7,45
SnO2 3,65
ZrO2 2,3
SrO 13,5

O Gráfico de Stull

Em 1912, um pesquisador chamado R. T. Stull criou um gráfico na tentativa de criar uma forma de visualizar graficamente o comportamento dos esmaltes em relação à variações de alumina e sílica.

Para fazer o gráfico, a quantidade de fundentes foi fixada em 0,3 moles de sódio e 0,7 moles de cálcio (R2O:RO de 0,3:0,7). Todos os testes foram queimados no cone 11.

Para a linha de esmaltes principais, Stull delimitou por retas que passam pelos pontos I, P, R e L. Para o limites entre os tipos de esmaltes, ele criou as seguintes retas:

  • M – J – não fundidos – foscos
  • N – U – foscos – semi-foscos
  • N – K – semi-foscos – brilhantes
  • Q – T – brilhantes
  • O – S- brilhantes – não envidraçados (sub queimados)

A área hachurada estão os esmaltes que apresentaram craquelamento. 

Podemos ver que, mantendo os fundentes constantes, a qualidade do esmalte de ser brilhante, fosco, craquelado ou sub queimado é determinada pelo nível de sílica e alumínio e suas proporções. Stull previu que os esmaltes serão foscos se a proporção de de sílica para alumina for 5:1 ou menor. Aumentando essa relação, o esmalte torna-se brilhante.

Ele também viu que os esmaltes serão sub queimados com a relação de sílica para alumina acima de 12:1.

Ele previu também peças craqueladas, mostrado pela área hachurada. Essa área apresenta níveis baixos tanto de alumina quanto de sílica.

Esse gráfico é muito preciso em relação aos resultados e usado até hoje, inclusive em outras temperaturas de queima. McLeod fez um trabalho reproduzindo esse experimento em queimas no cone 6. Para isso, adicionou 0,15 moles de Boro para poder compensar a diminuição de temperatura e os resultados foram quase idênticos.

Em sites como Glazy.org, todos os esmaltes de sua base de dados são inseridos no gráfico de Stull. 

Conclusão

A interação entre os elementos do esmalte durante a queima é intrincado e misterioso para muitos. Muitas das mudanças que ocorrem durante a queima não estão sob o controle do ceramista. Nosso maior desafio é tentar dominar os materiais da terra, incluindo o casamento entre a argila e o esmalte, que é o nosso produto final. É claro que o nosso trabalho tem certas doses de incertezas mas armados com o entendimento dos princípios que transformam os elementos em esmaltes, podemos evoluir nessa arte mais rapidamente.

Fontes:

  • McLeod, Sue. Understanding cone 6 Nceca presentation. 2018. 
  • Site Glazy.org. http://help.glazy.org/concepts/limits/#glaze-limit-formulas
  • Katz, Matt. Boron in Glazes. Ceramic Network. https://ceramicartsnetwork.org/wp-content/uploads/2008/10/TF_BoroninGlazes_0912.pdf
  • Hesselberth, John. Roy, Ron. Mastering Cone 6 Glazes. Ed. iBook.