Olá pessoal! :)

Esse é um assunto que há muito tempo tenho vontade de postar no blog.

Consegui ter em mãos um excelente livro sobre a cerâmica indígena e aprendi muitas coisas interessantes sobre o tema. Gostaria de compartilhar isso com vocês.

Essa é a primeira parte, que trata das generalizações no sistema de produção das cerâmicas entre os povos indígenas. A segunda parte vai tratar do uso das cerâmica nos rituais indígenas.

Introdução

Apesar da diversidade de culturas indígenas espalhadas em um imenso território tornar difícil a generalização, tentei escrever claramente sobre métodos e costumes que, de certa forma, são comuns às nações indígenas.

Peço aos leitores com mais experiência no assunto ou que conheçam algum povo indígena em particular que contribuam com o tema, deixando os comentários e sugestões para que possamos compartilhar e aprofundar esse conhecimento.

Um Trabalho Feminino

A confecção de vasilhas nas aldeias indígenas é um trabalho feminino e especificamente de mulheres casadas. Mulheres grávidas ou mães de crianças pequenas da tribo Waurá, do Mato Grosso, por exemplo, são proibidas de trabalhar com a argila por acreditarem que algo de ruim possa acontecer com os seus filhos.

Onça Waurá

Além disso, em algumas tribos, o trabalho de fazer cachimbos é de incumbência masculina.

A argila

Falando em trabalho masculino, são eles que pesquisam onde se localizam as reservas de argila e fazem a coleta dessa matéria-prima, trazendo-a para a aldeia. Normalmente, o processo de coleta ocorre na época das secas pois são nas margens e leitos dos rios que se localizam os veios das argilas boas para a confecção das peças. À propósito, um dos fatores que motiva a escolha da localização de novas aldeias é a proximidade que está terá com as reservas naturais de argila.

Os indígenas selecionam a argila que não tenha muita areia, caso contrário, as peças tornam-se muito quebradiças. Além disso, eles deixam repousá-la por um tempo antes de usá-la e, muitas vezes, adicionam matéria orgânica (raízes moídas, ossos triturados, etc.) ou inorgânica (mica, fedspato, etc..) para “temperar” a argila, tornando-a menos plástica e assim menos propensa às rachaduras e deformações.

A moldagem

Estando a argila pronta para o uso, a ceramista dispõe de todos os utensílios e elementos para que estes fiquem ao alcance das suas mãos como o barro, a água, os “temperos” e os instrumentos de alisamento, como pedaços de cabaça, conchas, seixos, etc. e senta-se sobre uma esteira ou banco.

O processo de moldagem mais usual é o da sobreposição de “cobrinhas”: a ceramista primeiro faz o fundo da peça com o achatamento da argila em formato de uma placa circular. Depois, ela alisa nas coxas ou com uma tábua, em movimentos de vai-e-vem, cilindros de argila e depois vai dispondo esses segmentos um por cima do outro, formando a vasilha.

Índia Terena preparando para a moldagem das peças. Fonte: Cerâmicas da Nossa Terra. http://ypuneterena.blogspot.com/

Estando com a forma desejada, essas cobrinhas são alisadas com a ponta dos dedos, no sentido vertical. Isso ajuda também a tornar a peça mais resistente já que ajuda a aderência dos segmentos. Com a vasilha moldada, ela é posta para secar, à sombra, por alguns dias.

O acabamento

Depois de parcialmente seca, as imperfeições da superfície são raspadas usando os instrumentos como conchas, pedaços de cabaças, facas ou colheres. Em seguida, é feito o polimento com seixos rolados, sementes, etc. usando saliva ou água. A superfície após esse processo fica lustrosa. Esse processo também ajuda a melhorar a impermeabilidade da vasilha pronta pois fecha os poros da argila.

Se for o caso, a ceramista faz incisões com objetos pontiagudos para dar um efeito decorativo, como desenhos geométricos. É também nessa fase que se realiza a adição de alças, bicos, etc.

A peça é, então, posta novamente para secar antes de ser levada para queima.

Antes da queima, porém, alguns grupos preparam e aplicam pigmentos. Os Kaingáng, por exemplo, presentes desde o Rio Grande do Sul até São Paulo, esfregam a hematita, dando uma cor vermelha na peça. Para que esse pigmento seja fixado eles esfregam as sementes de inajá na superfície. Já os Waurá, preparam uma pelota de barro preto com sementes de urucum, que é posta para queimar. Após a queima, essa pelota é triturada e o pó é misturado com água, servindo de pigmento vermelho-claro para as suas cerâmicas.

A queima 

De uma forma geral, a queima feita pelos povos indígenas brasileiros se processa em ambiente com abundância de oxigênio (oxidante). São feitas fogueiras de galhos e troncos arranjados em formato cônico, criando uma uniformidade de temperatura na queima. As peças ficam totalmente envolvidas nas chamas. Em alguns casos, elas são apoiadas em trempes e a queima ocorre durante uma ou duas horas. Algumas vezes, as peças são reviradas para uniformizar sua queima e em outros casos, são colocadas brasas no seu interior.

Também entre os povos indígenas, a etapa da queima é regida por uma variedade de tabus. Alguns grupos só comem peixes nesse período, outros não admitem a presença de estranhos ou não queimam quando há lua nova.

cerâmicas Tupi Guarani

A pintura

Executada após a queima, a pintura tem grande ocorrência entre os povos indígenas. Muitos consideram que a peça não está completa sem a pintura. Nessa etapa, a divisão de trabalho não é tão marcante e as tintas podem ser tanto de origem orgânica (extraídos do jenipapo, urucum, etc.) ou inorgânica (caulim, hematita, etc.). Os pincéis podem ser os dedos, gravetos envoltos em chumaços de algodão sendo menos frequente, porém, o uso de penas de aves, cabelo humano, etc.

Recipiente de Cerâmica confeccionada de argila, pelos índios Waurá do parque indígena do Xingú. Dimensões: Compr: 29 cm, Larg.: 16 cm e Alt.: 15 cm

Recipiente de Cerâmica confeccionada de argila, pelos índios Waurá do parque indígena do Xingú. Dimensões: Compr: 29 cm, Larg.: 16 cm e Alt.: 15 cm. Fonte: http://www.arteindigena.com.br

As ceramistas têm alguma liberdade no tema decorativo mas devem-se manter dentro dos cânones gerais que regem a estética do grupo pertencente.

Além da pintura, é muito comum o uso de resinas na superfície das vasilhas após a queima. Umas usam a resina do jatobá, de acácia, simaneiro, o breu de jutaí, o leite da sorva, entre outros. Esse procedimento aumenta a impermeabilidade e a vida útil da vasilha.

Alguns grupos usam o método de uma nova queima em ambiente redutor com folhas de mamão, etc. para impregnar a superfície da peça de elementos impermeabilizantes. A vasilha que sofre esse processo fica negra e algumas vezes uma técnica decorativa é usada ao proteger certas áreas da peça dessa queima de redução, criando desenhos claro e escuros.

Após a limpeza da peça com água, está pronta para o uso.

Próximo post vou seguir sobre o assunto falando sobre o papel da cerâmica nos rituais dos povos indígenas!

Nos vemos lá! ;)

Fonte:

  • Andrade Lima, Tânia in Suma Etnológica Brasileira 2 – Tecnologia Indígena. Coord. Berta G. Ribeiro. Ed. Vozes.