Depois de ter vivido três anos no Japão, percebo que consegui apenas arranhar a superfície da cultura japonesa. Existem muitas diferenças de valores e pontos de vista que dificultam a análise do mundo oriental por nós, ocidentais.
Li que a palavra traduzir vem da raiz comum de trair. E, em relação à palavra, Nietzsche escreveu:

Como é agradável ouvir palavras e sons! Não serão as palavras e os sons os arco-íris e as pontes ilusórias entre as coisas eternamente separadas?”

Mesmo sendo a palavra uma construção ilusória e a tradução uma traição da palavra, nós tentamos estreitar os abismos tanto entre os indivíduos como entre as culturas pois a solidão da incomunicabilidade é insuportável para a maioria de nós. Mesmo com as imperfeições inerentes à palavra e à tradução, creio ser possível com elas apreender certos conceitos gerais e, aos poucos, ir construindo um quadro mais completo para um melhor entendimento da cultura estudada.
A palavra wabi-sabi representou para mim um primeiro passo na tentativa de solução do enigma do ideal da beleza japonesa.

Cena do filme "Lost in translation"

Cena do filme “Lost in Translation (Encontros e Desencontros)”

Muitas vezes, o conceito wabi-sabi é colocado como algo inexplicável. Nós, ocidentais, em contrapartida, passamos a encarar essa representação do inexplicável como um aspecto da sofisticação da cultura japonesa. E nesse desentendimento, perdemos pois falhamos na apreciação das peças de arte japonesas, por exemplo. Ou então criamos cópias de algo que não representa diretamente o conceito aportado, confeccionando meros pastiches.
Mas será que wabi-sabi ou tantos outros conceitos de beleza japoneses são assim tão herméticos para nós? Eu penso que não. Para mim, wabi-sabi é um conceito que, apesar de muito importante, pode ser interpretado pela nossa cultura ocidental. Tirando aqueles que querem criar uma aura de inexplicável, o fato é que muito dos que dizem não poder explicá-lo assim o fazem porque, no fundo, não têm o domínio sobre sua conceituação.

Raku Preto

Raku Preto


Recentemente, li um texto em japonês que joga uma luz sobre o assunto. Lá, o mestre da cerimônia do chá (sadō), Sōshin Kimura, diz que foi tradicionalmente cultivado pelos japoneses uma forma indireta de nomear e conceituar seus valores estéticos, baseando-se no pressuposto da cultura tradicional japonesa ser apoiada por sensibilidade e sentimentos. Mas ele discorda do fato de que, ao contrário dos valores estéticos ocidentais, o senso estético japonês não possa ser explicado logicamente.
Então, afinal, como podemos explicar o conceito wabi-sabi? Segundo ele, wabi e sabi reune, em uma expressão, duas palavras com sentidos diferentes. Na minha tradução livre ele explica que:

Sabi é a palavra referente à beleza com que vemos as coisas. As coisas do nosso mundo, pela mudança com passar dos anos,  sujam, decaem e quebram-se. Isso é, de uma forma geral, visto como uma deterioração mas, por outro lado, estas mudanças se entretecem, e por essa diversidade de belezas peculiares chamamos de sabi. Já wabi é a palavra que representa a aceitação desse envelhecimento (sabire) ou sujidade (yogore), sendo uma disposição emocional de tentar apreciar e levar uma atitude positiva a este respeito.”

Se sabi é a beleza exteriorizada, wabi é a riqueza da beleza interiorizada e, apesar de serem palavras com sentidos diferentes, representam os dois lados da mesma moeda.
Podemos perceber a beleza nas cerâmicas japonesas independentemente do conhecimento de sua base conceitual. Porém, ao conhecer melhor seus fundamentos, estreitamos a distância que nos separa do artista que produziu a obra, ampliando as possibilidades de sua apreciação. E, para o artista, a técnica nada vale se não houver um domínio da base de idéias que vão fundamentá-lo para a construção de sua obra. E a base estética japonesa certamente pode ser usada por um artista ocidental que queira enriquecer a estética de seu trabalho.
Gostaria de poder expor mais conceitos estéticos japoneses nesse blog. E, através do mosaico de conceitos apresentados, creio ser possível a criação de um quadro mais claro sobre esse assunto.
Então, até lá! :-)


Fontes e sugestão de leitura:

  • Noma, Seiroku. The Arts of Japan – Late Medieval to Modern. Ed. Kodansha.
  • In Search of Wabi Sabi with Marcel Theroux. Vídeo. BBC.
  • 「わび・さび」の意味を説明できますか?. Courrier Japan, Blog. 30 de abril de 2014. www.courrier.jp/blog/26860/
  • 「わび・さび」、茶の湯こころと美. Omotesenke Fushin’an Foundation. www.omotesenke.jp/list2/list2-3/list2-3-1/
  • Nietzsche, Friedrich. Assim falou Zaratustra. www.ebooksbrasil.org