Olá!
Semana passada, vimos a elegância das cerâmicas da dinastia Song chinesa. Hoje, vamos estudar a origem da força das cerâmicas Bizen japonesas.
Introdução
A cerâmica Bizen tem a sua genealogia vinda das cerâmicas de alta queima Sue, iniciada no período Kofun (sécs. XVII à III a.C.). Na idade média, as cerâmicas Bizen produziram em grande quantidade almofarizes (suribachi) e cântaros. Juntamente com as cerâmicas de Tokoname, dividiram a produção cerâmica do Japão em dois: as cerâmicas Tokoname tinham sua influência no nordeste do Japão e as cerâmicas de Bizen, na porção sudoeste.
Na era Muromachi (1336 à 1573), as suas peças, que eram do uso diário, foram elevadas ao uso na cerimônia do chá e a partir da era Momoyama (1573 à 1615), foram criadas peças peculiares especialmente para a cerimônia do chá.
As cerâmicas de Bizen estão localizadas na parte sudoeste da ilha principal do Japão (Honshū), na província de Okayama (veja mapa).
Materiais e Queima
Essas cerâmicas mostram um estilo vigoroso e uma simplicidade de materiais e métodos. Como não há esmaltação nas peças, sua alma vem diretamente das chamas e da argila. A argila usada em Bizen vem de 1 à 3 metros abaixo do solo de arrozais da região. Apesar de ser muito plástica (fácil de moldar), ela contém uma alta porcentagem de ferro (1 à 3%) e possui um alto grau de encolhimento, o que torna-a inadequada para a aplicação do esmalte. Além disso, possui muita matéria orgânica, o que pode fazer com que ela rache e inche se fosse seguido o padrão de queima usual.
Como solução, os ceramistas de Bizen empilham as peças umas sobre às outras e as queimam sem esmaltar, por um longo período de tempo. Dependendo da posição da peça no forno, a cerâmica adquire certos efeitos. O conjunto de mudanças que ocorrem na peça dentro do forno é chamado em japonês de Yōhen.
Características da cerâmicas Bizen
Goma (gergelim)
É característico em certas peças das cerâmicas Bizen o surgimento de manchas que ficam aderidas à peça, parecidas com farinha de gergelim.
Na hora da queima, cinzas são pulverizadas nas peças e através força das chamas da lenha de pinheiro e a alta temperatura no interior do forno, estas cinzas vitrificam-se, tornando-se um esmalte natural.
Dependendo da posição no forno, certas superfícies recebem grande depósito de cinzas. Estas cinzas, por sua vez, derretem-se, formando algo como tiras; outras vezes derretem e escorrem (esse efeito é chamado em japonês de Tamadare “gemas penduradas” ou Nagare-goma “gergelim escorrido”).
As cores podem ser variadas: brancas, amarelas ou azuis.
Sangiri
É a aparência causada pela mudança de cor, que pode variar desde o negro até a cor de cinza-azulada.
Quando há mudança na atmosfera da queima causada pela má circulação de ar (Ibushi-yaki), tornando-se redutora , o combustível consumido é transformado em cinzas e estas acabam por cobrir as cerâmicas.
Geralmente, o local que recebe mais diretamente as chamas torna-se marrom-avermelhado, onde fica coberto por cinzas, fica negro e na parte intermediária, adquire uma cor de cinza-azulada.
Antigamente, no interior dos fornos, haviam travessas (chamadas em japonês de San) e as peças que eram queimadas abaixo desta travessa apresentavam essa aparência. Por isso foram chamadas de Sangiri (literalmente, divisão da travessa).
Hidasuki
Hidasuki é quando a peça apresenta uma faixa de cor marrom, marrom-claro ou vermelho. Hi vem de fogo e tasuki é uma faixa usada no kimono para prender a manga.
Em torno da peça crua é envolta palha. A peça é colocada então em uma caixa (saya) que tem a função de protegê-la do contato direto com as chamas. Depois de queimada, a peça fica com a cor parecida com a da peça crua, um marrom-claro, enquanto que a área em contato com a palha apresenta uma cor escarlate.
A aparência do hidasuki deve-se às reações de potássio presentes na palha e ao ferro, entre outros, presentes na argila.
Originalmente, para que as peças quando fossem empilhadas para serem queimadas nos fornos não ficassem coladas umas às outras, elas eram envolvidas por palha. Como resultado desse artifício, ficavam com essa aparência.
Botamochi
Botamochi é um bolinho de arroz envolto com pasta de feijão adocicado. O nome vem do formato circular que fica na peça queimada.
Esse efeito é conseguido ao colocar pedaços de argila ou outras peças redondas em cima da peça em questão.
Assim como no caso do Hidasuki, o Botamochi surgiu pela superposição de peças.
Ao-Bizen (Bizen azul)
No interior do forno, ao colocar peças em locais onde não há oxigênio, reações químicas ocorrem retirando o oxigênio presente na peça. Quando ocorre o violento processo de redução na peça durante a queima, uma vívida cor azul-acizentada surge na cerâmica
Quando praticamente não há oxigênio, mais próximo a cerâmica fica do azul.
Mesmo através do planejamento, não há garantias para o surgimento das peças Ao-Bizen. Ainda, os locais do forno onde ocorrem ambientes de redução são muito restritos e por isso a criação deste tipo de cerâmicas é muito raro.
Conclusão
Podemos dizer que as cerâmicas Bizen são um resultado das especificidades de seus materiais e processos de produção. Ao longo de séculos, os ceramistas adaptaram suas técnicas de acordo com a natureza da argila e da queima. À primeira vista, podemos pensar que as peças saem dos fornos como resultado da ação aleatória ou incontrolada do processo de queima mas não é bem assim.
A concepção da cerâmica é objetiva e intencional. Através da experiência do artista, ele molda a peça em um formato específico e coloca-a em um local determinado no forno, participando ativamente desde a moldagem no torno até a queima no processo de criação. Mas, mesmo com todo o cuidado e experiência, na hora da queima muita coisa pode dar errado. Ainda mais que a queima é feita somente uma ou duas vezes por ano. Muito está em jogo. Por isso, há um intenso planejamento até o produto final.
Quando a peça sai do forno, pode-se imaginar o que aconteceu com ela, sendo possível fazer uma reconstituição dos processos, sendo um dos motivos, talvez, de possuírem tantos apreciadores no Japão e no exterior.
Fontes:
- 日本美術図解事典. 東京美術.
- 備前焼じゃ. www.bizenyakija.com
- Wilson, Richard. Inside Japanese Ceramics. Ed. Weatherhill
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