O ceramista Bernard Leach escreveu que na dinastia Song houve “uma das mais nobres conquistas da cerâmica”. Não só o Leach, mas outros autores também descrevem essa época como a “idade de ouro” das cerâmicas.
Resolvi estudar mais sobre o assunto e me surpreendi com o volume de peças extraordinárias, a diversidade de técnicas e esmaltes e a grande influência que teve na produção cerâmica até os dias de hoje.
Gostaria de compartilhar essa descoberta com vocês e espero que aproveitem!

Introdução

Historicamente, a dinastia Song ou Sung chinesa (宋朝) foi dividida em duas fases, a Song do Norte (960 – 1127) e a do Sul (1127 – 1279). Se por um lado, ela sofreu ataques dos rivais mongóis e a dinastia Jin, por outro, foi um período de muitos avanços, trazendo para sua imensa população uma relativa prosperidade.

Características Gerais

De uma forma geral, as formas das cerâmicas feitas na dinastia Song são simples e austeras em comparação com as que precederam e seguiram. Além disso, os esmaltes tendem a ser monocromáticos, sutis, fluidos e parte integral da forma da peça que ele cobre, com profundidades de cor e textura que convidam o expectador tanto a tocar como a contemplá-las.
A sofisticação estética Song foi acompanhada por uma incrível inventividade, que levou a uma variedade de cerâmicas clássicas, cada qual usualmente associada com uma região específica da China. Elas incluem os então famosos cinco fornos patrocinados pela corte: Ru (汝), Guan (官), Ge (哥), Jun (鈞), Ding (定); assim como os celadons de Longquan (龍泉), Yaozhou (耀州窯), entre outros. Existiram também as cerâmicas mais mundanas de Cizhou (磁州窯), Qingbai (青白) e as cerâmicas de forte caráter de Jian (建陽窯). Muitas dessas cerâmicas regionais, de tão valorizadas, eram usadas como forma de pagamento dos tributos anuais à corte imperial.

Considerações

Apesar de haver essa divisão entre fornos regionais, é importante notar que mesmo dentro destas regiões havia uma diversidade considerável de estilos e técnicas. Isso porque a região de manufatura das peças se estendia por uma grande área e possuía inúmeros artesãos que desenvolviam sua arte de maneira relativamente autônoma.
Também podemos dizer que certos fornos eram influenciados pelos sucessos de outros. Assim, um certo forno podia passar a copiar peças de outros fornos tornando essa caracterização por regiões uma simplificação, que embora facilite nosso estudo, nos leve algumas vezes ao equívoco.
Diante do volume de peças excepcionais deste período, vou dividir esse tópico em duas postagens, o post de hoje vai focar na produção das cerâmicas no norte da China, o da próxima semana, no sul.
Mas não quero que fiquem confusos com essa divisão. Apesar da divisão histórica entre a dinastia Song do Norte e a dinastia Song do Sul e que fornos do norte tivessem perdido sua patronagem quando a corte mudou-se para o sul, muitos fornos no norte continuaram funcionando posteriormente à queda da dinastia Song do Norte. Da mesma forma, muitos dos fornos do sul, antes mesmo da mudança da corte para suas proximidades, já desenvolviam cerâmicas contemporaneamente ao fornos do norte.

Fornos da Dinastia Song no norte da China

Fornos de Celadon do Norte

Foram cerâmicas de alta-queima com argilas de cor acizentada, decoradas de diversas maneiras e cobertas pelo esmalte celadon. Formaram um grupo de certa forma homogêneo chamados de cerâmicas de celadon do norte. Os locais de produção foram encontrados em pelo menos 3 províncias do norte da China. Dentre eles, destacamos as ruínas dos fornos de Yaozhou, que marcou um importante local de produção de peças de porcelana na cidade de Hengbao, na província de Shaanxi (veja mapa).

Principais fornos do norte na Dinastia Song. Fonte: A Handbook of Chinese Ceramics.

Os fornos de Yazhou era um dos quatro principais do norte da China e outrora estendia-se por 5 quilômetros. Não só pelo tamanho, os fornos de Yaozhou também produziram os melhores exemplares de celadon se comparados aos outros fornos produtores do norte da China. Estudos recentes corroboram na tese que estes fornos mantiveram o funcionamento até mesmo durante a ocupação mongol.

Dinastia Song do Norte, China, Celadon do forno Yaozhou. Altura 21 cm. Museu Metropolitan, Nova Iorque.

Fornos Jun

As cerâmicas Jun ou Chun são caracterizadas pelo esmalte grosso, opalescente e de tom azul claro, que foram feitos principalmente na província de Henan, a partir da dinastia Song. Elas recebem esse nome devido aos fornos localizados em uma área conhecida como Junzhou.
Há uma grande diversidade de formas e cores mas, de uma forma geral, foram produzidas muitas peças de formato gracioso, simples e bem proporcionadas. Uma característica única da porcelana Jun reside em seu esmalte turvo, que contém baixa concentração de óxido de cobre. Suas peças azuis eram diferentes do celadon usual – eram de um azul com um tom leitoso.

Dinastia Song do Norte, China. Cerâmica Jun. Diâmetro 10.5 cm. Museu Metropolitan, Nova Iorque.

Além disso, eles conseguiram criar peças com uma coloração de esmalte avermelhada através da queima por redução. Por vezes, as peças das cerâmicas Jun apresentavam belos tons de verde com manchas violáceas como as cores das nuvens ao por do sol. Suas cores misteriosas e imprevisíveis conquistaram os chineses daquela época.

Fornos Ru

Os fornos Ru foram muito mencionados pelos intelectuais da época. Entretanto, sua aparência é muito rara. Existem menos de 40 peças no ocidente. Isso porque os fornos Ru produziram peças para a corte por apenas 20 e poucos anos.

Garrafa, Dinastia Song do Norte, China. Cerâmica Ru. Altura 248 mm, diâmetro 156 mm. British Museum, Londres.

Os tamanhos das peças são usualmente de pequeno porte, não excedendo 30 cm de altura. Seu corpo é bem fino, acizentado e eram completamente esmaltadas. As peças eram apoiadas nas prateleiras dos fornos por apoios extremamente finos e depois de queimadas mostravam nas suas bases marcas que foram descritas pelos antigos como “de tamanho de gergelim”.

Fornos Ding

As cerâmicas Ding são consideradas como as mais refinadas do período Song. Elas representaram a tendência da arte da dinastia Song por decorações discretas. As estética Ding era mais voltada para ao formato elegante do que para a decoração ostentosa. Devido à maneira com que as peças eram postas no forno, as bordas das peças não recebiam esmalte. Por causa disso, essas partes eram normalmente cobertas por metal, como ouro ou prata. Depois que a dinastia Song mudou-se para o sul, o acesso a este forno foi cortado e a corte supriu sua demanda pelas cerâmicas sulistas de Qingbai, entre outras.

Garrafa. Cerâmica Ding, China. Dinastia Song do Norte. altura: 21.90cm. British Museum, Londres.

Uma grande quantidade de fragmentos de cerâmicas Ding foram encontrados no complexo principal dos fornos Ding, em Jiancicun, na província Hebei. Na era Song, esta área era administrada sob o nome de Dingzhou, nome pelo qual as cerâmicas passaram a ser conhecidas.

Cerâmica Cizhou

As cerâmicas Cizhou caracterizam-se pelo aspecto rústico. As suas peças eram destinadas ao uso diário. Eram cerâmicas de alta queima com paredes grossas normalmente com decoração em preto sobre um fundo branco ou bege. Seus desenhos eram espontâneos, mostrando uma liberdade dos traços e fluidez.

Travesseiro, Cerâmica Cizhou, China. Dinastia Song do Norte. British Museum, Londres.

Era Jin

Como mencionado anteriormente, apesar da deposição da dinastia Song no norte da China pela dinastia Jin, em 1127, muitos dos fornos que existiam anteriormente continuaram a sua produção. O gosto Jin, entretanto, tirava inspiração nas dinastias Tang e Liao e isso transpareceu na produção cerâmica. Pode-se notar também que as peças desta época apresentam uma qualidade inferior às produzidas na dinastia Song.
No próximo post, vou seguir com o tema desta vez falando sobre as cerâmicas Song produzidas no sul da China, até lá!

Fontes:

  • Velenstein, Suzanne G. A Handbook of Chinese Ceramics. The Metropolitan Museum of Art.
  • Chinese Ceramics. China International Press
  • Nilsson, Jan-Erik. Antique Chinese and Japanese Porcelain Collectors’ Help and Info Page. www.gotheborg.com